domingo, 24 de maio de 2009

FESTA DE SÃO JOÃO!!

FESTA DE SÃO JOÃO

Quando começava o inverno, com muita chuva e um pouquinho de frio como é o nosso inverno no interior, já se prenunciava que logo, logo,chegaria o dia de São João, a festa mais esperada do ano. Mais do que o Natal em que a gente ganhava presentes. Mais do que o carnaval, uma festa mais para adultos e solteiros. Já o São João, tinha fogueira,muitos quitutes e comida gostosa na mesa, licor de genipapo, músicas de forró, dança de quadrilha, chuvinhas e fogos de artifício, e muita, mas muita alegria para todas as famílias, de todos os bairros,de toda a cidade. Em todo lugar.Antes do São João, costumava-se também comemorar o dia de Santo Antônio, principalmente as garotas solteiras pra ver se o santo arrumava um namoro ou casamento. Eu, ainda menino, observava minhas irmãs adolescentes e as vizinhas de mesma idade, escrever bilhetinhos num papel com o nome dos rapazes com quem gostariam de namorar ou casar e enrolavam os papelotes feito cigarro de palha e espetavam nostroncos de bananeira do quintal. Acreditavam que o santo intercederia pelos seus pedidos. Um certo dia, resolvi abrir aqueles bilhetinhos emostrar pra todo mundo. Foi um deus-nos-acuda daqueles. Um dos bilhetes continha o nome do namorado da outra e foi aquela confusão.Levei uns tapas de minha irmã mais velha e ficou por isso mesmo e tudo voltou ao normal. E continuaram amigas para sempre.Faltando alguns dias para o dia 24 de Junho, meu pai ia até a fazenda para buscar lenha para a fogueira. Num daqueles anos, finalzinho dadécada de sessenta, ele também me convidou para ir junto. Fiquei orgulhoso com aquele convite. Se ele me chamou é porque eu devia estar deixando de ser menino e me tornando um rapazote e aquilo mefazia sentir auto-confiante, diferente do resto da meninada que não tinha nenhuma responsabilidade na vida, a não ser brincar e estudar.E lá fui com o meu pai e outro irmão mais velho. Ele aproveitou aviagem e mandou o caseiro colher umas raízes de mandioca, espigas de milho, batatas-doce e o que mais houvesse de colher na pequena hortada fazenda, além de um cacho de coco babaçu para fazer paçoca. Eu ajudei a colher laranjas e mexiricas. Tudo separado, foi prontamente arrumado e organizado sobre o carro-de-boi porque não dava pra levar tudo na lomba do jegue. Havia muitas toras de madeira e era demasiado pesado para um só animal.De volta à cidade que não era muito longe da fazenda, as toras de madeira foram sendo arrumadas, duas a duas, uma de cada lado, depois outras duas em sentido contrário, formando uma base quadrada que subia em forma de pirâmide. E no meio, muitos gravetos secos para faisca da fogueira. Afastado da fogueira, meu pai replantou uma árvore de tronco fino, alta e frondosa, que fora enfeitada com fitas coloridas, laranjas maduras amarradas nos seus galhos e bandeirolas coloridas que dela saíam atravessando a rua até a outra extremidade,fazendo um colorido bonito e bucólico, lembrando a todos que haveriam uma boa festa de são joão.De dentro de casa, se ouvia o barulho de mulheres conversando: minha mãe, minhas irmãs e algumas vizinhas, também nos preparos dos bolos de aipim, quitutes de milho verde, biscoitos amanteigados, biscoitos doces e salgados de polvilho e chimangos. De lá do quintal, outras vozes femininas cantarolavam canções antigas enquanto se pilava as amêndoas do babaçu com farinha, açúcar e canela, para fazer a paçoca de que meu pai tanto apreciava. O licor era preparado por uma das irmãs que se tornou especialista no seu preparo. O licor de genipapo era uma bebida que fazia parte da tradição das festas de são joão.Da casa de nosso vizinho, podia se ouvir músicas tocadas na vitrola:Variando entre canções de Luiz Gonzaga, que estava no auge, e também de Marinês, Teixeirinha, Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino. Devez em quando, um pouco de humor com as piadas e os "causos"engraçados de Barnabé ou Coronel Ludugero.No dia de São João, antes do anoitecer, eu e meus irmãos mais novos tomávamos nossos banhos e vestíamos nossas roupas novas feitas para a ocasião. Lembro-me bem dos capotes de lã aflanelada de cores fortes, formando grandes xadrezes em vermelho, verde e azul. Era mesmo necessário o uso do capote, porque à noite fazia um pouco de frio trazido pelo sereno fresco e pelos chuviscos da época. O tecido para os capotes eram comprados nas Casas Pernambucanas, que ficavam numa cidade próxima e maior que a nossa.De onde nós morávamos, na parte mais alta da cidade, dava pra ver ao longo da rua, ladeira abaixo, várias fogueiras montadas e tantas outras árvores plantadas com enfeites e bandeirolas coloridas.Algumas fogueiras já começavam a ser acesas e nós ficávamos ansiosos para que nosso pai saísse do banho para vir acender a nossa fogueira também. Fogos e rojões se faziam ouvir por todas as direções da cidade. Que festa linda, que momento mágico! Minha mãe com minhas irmãs e algumas vizinhas, já haviam montado a mesa, posta com todo tipo de guloseima que se podia imaginar: doces e salgados, bolos e paçocas, além de fatias de carne assada de porco ou carneiro, sucos e licor de genipapo. Da casa do vizinho, "o forró já começou", trecho de uma música de Luiz Gonzaga, era a senha de que a festa se iníciaria com o pôr do sol, mandada pelo som do vinil tocado na vitrola. Então surge meu pai com sua jaqueta marron e chapéu de massa, com o isqueiro na mão e um chumaço de algodão em bebido e málcool. Agora sim, nossa fogueira seria acesa e a nossa festa também iria começar.Então pudemos queimar nossos chuviscos, soltar as bombinhas, enquanto os adultos soltavam rojões, canhões e outros fogos de artifício. Anoite fria se aquecia de tanta alegria. E foi chegando gente, vindo das vizinhanças mais próximas. Moças e rapazes dançavam o forró que era mesmo muito bom.Mandava a tradição que os rapazes deveriam dizer uma senha ao chegarem cada casa para obter a permissão do dono, para poder se servirem das comidas e bebidas ofertadas. E alguns grupos de rapazes se aproximavam, batiam palmas à porta da frente das casas que preparavamos banquetes e diziam: "São João passou por aqui?". Se o dono da casa simpatizasse com os rapazes, respondia: "Passou!" Pronto, estava dada a senha para que entrassem e se servissem do banquete ofertado. Masnão se poderia faltar com o respeito com as moças e filhas doanfitrião. E assim foi feito. Alguns grupos de jovens rapazes serevezaram naquela noite, subindo a ladeira de nossa rua, passando decasa em casa e se fartando do banquete ofertado de cada uma delas.Um primo nosso, afilhado de minha mãe, era conhecido por serencrenqueiro e arrumador de confusão, principalmente quando bebia.Meu pai não suportava os seus modos, mas tolerava sua presença quandoele ia visitar nossa mãe, sua tia-madrinha. E naquela noite, elesubiu sozinho a nossa rua, já tendo passado por diversas casas ruaabaixo, tomado umas e outras e ao chegar em frente de nossa casa, meupai se postou em frente à porta de entrada e o ouviu proferir asenha: " São João passou por aqui?". E meu pai que já não o suportavasóbrio, muito menos bêbado, respondeu: "NÃO!" Foi o que faltava paraestragar aquela noite tão maravilhosa. O meu primo empurrou meu pai egritou: " Aqui é a casa de minha madrinha e eu vou entrar. Ninguémvai me impedir". Meu pai caíra com o empurrão, mas logo se levantou emuito furioso, arrancou o meu primo pela gola da camisa, jogando-opara fora de casa, fazendo-o cair sobre o passeio da entrada. Pronto!estava armada a confusão. Veio gente de todo lado para apartar abriga. Os dois gritando de cada lado, cada um com seus motivos emsentido contrário. A turma do "deixa-disso", tendo nosso vizinho àfrente e equilibrado nas emoções, conseguiu apaziguar os dois. Meupai acabou consentindo que o rapaz entrasse e se servisse do quequisesse, tomasse a benção de minha mãe, mas que não permanecesse pormuito tempo. E assim foi feito. Alguns minutos depois, tudo haviasido esquecido e a noite continuou linda e alegre, tendo até mesmouma improvisação de dança de quadrilha, no terreiro em frernte ànossa casa.Mais tarde, com a fogueira já transformada em brasas, rapazes e moçasaproveitaram para assar milho e batatas-doce, para terminar aquelamaravilhosa noite de São João. Fui então dormir com aquelaslembranças que jamais saíram de minha memória. Como eram boas aquelas
festas de São João.